quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Apagão

Apagou tudo. Eu, pra variar, estava no trânsito. Às 22h13 a iluminada Avenida Paulista era clareada apenas pelos faróis dos carros e pelos geradores de energia dos hospitais da região. Automaticamente, os carros passaram a fazer comboio para atravessar cruzamentos e o desespero de chegar logo ao lar, doce lar tomou conta de todos.

Alguns motoristas tentavam ser solidários, outros nem um pouco. Para facilitar a vida de quem dirigia no momento, uma leve garoa começou a cair – daquelas que só servem para sujar o para-brisa. Tentei ligar o rádio para saber o que acontecia, mas só um chiado alimentava o auto-falante.

Na falta de qualquer tipo de informação, observei a beleza da cidade no caos escuro. Sim, a cidade sempre terá um lado bonito a se observar. E o escuro traz um silêncio diferente. Embora os carros façam muito barulho – especialmente as buzinas — por trás da euforia era possível ouvir o silêncio da noite. No apagão, não há milhões de televisões ligadas ao mesmo tempo, lâmpadas, computadores, geladeiras ou qualquer outro aparelho que se ligue na tomada.

Aos poucos, luzes de lanterna começaram a fazer um balé pelas janelas, ao som de vozes preocupadas e passos acelerados. A mãe saiu de casa com a criança no colo e ligou para o celular do pai na calçada. Os adolescentes que acabaram de sair da escola se divertiam com a liberdade de uma noite sem luz.

Após meia hora sem luz, a cidade se transformou. Os lugares que você conhecia como a palma da mão tornaram-se desconhecidos. O lado mais escuro de São Paulo se aproximou das luzes dos carros, como mariposas em volta de lampião.

É nessa hora que você começa a sentir medo de uma figura parada ao lado de um poste: o malandro. No meio da confusão, acredito que poucos viram um homem parado com a mão no bolso, na posição de quem atravessaria a rua, mas que apenas observa cada carro que passa.

O malandro não tem hora pra voltar pra casa, não se preocupa com a família, muito menos com a sua. Ele fica ali, à espreita. Espera o melhor momento para abordar um motorista distraído. Porém, desta vez, não foram levados carteira, bolsa e nem celular... O que o malandro roubou foi o encanto do apagão pela cidade.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Dia de chuva

Chuva sempre vem acompanhada de peripécias do “acaso”. Quem nunca foi pego por uma tempestade na hora que deixou o carro no estacionamento e saiu sem guarda-chuva? Pior do que isso, só quando acaba a luz e não consegue tirar o carro da garagem, porque o portão é elétrico. Outra situação bem agradável é quando os semáforos ficam no amarelo piscante e não tem ninguém da CET para ajudar o fluxo, afinal, está chovendo.

Também é na chuva que percebemos que o limpador do pára-brisa não funciona e deixa aquele borrão no vidro. Ou quando nos damos conta de que o manobrista deixa o vidro do carro aberto: aquele prático porta-objeto vira piscina de moeda, batom, chiclete, presilha de cabelo ou recibo de posto de gasolina. Se reclamar, ainda é capaz de cobrar a lavagem do carro.

Enchente é outro ponto que inspira o dia chuvoso. Ou você encara a poça na esperança de que seu carro vire um veículo anfíbio ou você pára em um bar com os amigos e espera o dia seguinte (a Lei Seca também vale em dias chuvosos). Quem optou pela primeira opção, pode aprimorar diversos dons enquanto estiver parado no trânsito. Algumas dicas:

- Aprenda um idioma novo – dá tempo de ouvir um curso inteiro daqueles em CD;

- Para os cantores amadores que adoram disparar agudos no carro, aproveite para gravar sua performance. É importante escutar a gravação quando chegar em casa (evita que o show seja repetido no chuveiro);

- Tente bater na sua cabeça com uma mão, enquanto a outra faz círculos na barriga. Tem gente que afirma de pé junto que consegue;

- Some os números das placas dos carros que passar pela frente. Quanto mais treinar, mais rápido conseguirá fazer a conta. Quem manja de numerologia poderá também somar as letras e traçar o perfil do proprietário do veículo (aliás, já existe curso disso em CD).

terça-feira, 29 de setembro de 2009

NY – Vancouver – São Paulo

E quem foi que disse que o trânsito de Nova York é um absurdo? Talvez o guia que inventou a frase nunca tenha pegado o trânsito de São Paulo à noite, em plena segunda-feira chuvosa. Na cidade norte-americana também conhecida como “terra do demo”, devido ao grande apelo ao consumo de chaveiros a casacos luxuosos, nada melhor do que pegar um táxi para aliviar o joelho na volta para o hotel. Apesar de o metrô ser muito bom, ir a Big Apple e não ter o “glamour” de entrar em um yellow cab na Times Square com uma sacola na mão – nem que seja com uma garrafa d` água dentro ­– é como visitar Paris e não subir na Tour Eiffel.

Conselho aos desavisados: garanta o seu dramim. E volto a repetir, não por causa do trânsito, já que nada se compara ao de São Paulo (eles chamam de congestionamento um grande fluxo de carros, mas que não chega a te obrigar a desligar o veículo). O dramim serve para agüentar os solavancos dos taxistas que, não sei como, não sabem dirigir carro automático – nos EUA quase não existe câmbio manual. Assim, inevitavelmente, sua cabeça baterá continência a qualquer um que passar na frente do carro.

Paz mesmo, é poder passear de carro pelas ruas de Vancouver, no Canadá. Você não precisa sair de casa uma hora antes para chegar a tempo ao seu compromisso. Dez minutinhos bastam, que é o tempo do trajeto para qualquer ponto da cidade. Cuidado apenas ao abrir a porta, você poderá acertá-la em um maluco querendo dinheiro pra comprar um baseado. Ah, alguns deles adoram distribuir bitocas a turistas desprevenidos, ou seja, olhe para os dois lados ao sair do carro.

Ainda em Vancouver, você pode dar a sorte de encontrar um taxista iraquiano que adora a Seleção Brasileira de Futebol e tira o maior sarro do Ronalducho, vulgo Ronaldinho. Até os iraquianos falam da pança do cara, é incrível! Um show à parte.

E se tem problemas em acertar o fuso ao voltar ao país, é só pegar o seu carro e sair pela Paulista na hora do rush (pagar o preço do táxi na cidade seria verdadeira insanidade). No primeiro sinal que fecha e você nem sequer saiu do lugar, rapidamente, desperta aquele sentimento que se verbaliza e ecoa pelo carro:

- É. Fim de férias.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Carona

Kombi batida. Tempo perdido e muita paciência para esperar o seguro dos outros funcionar. Enquanto isso, vou de táxi, parafraseando a Angélica. É incrível como taxista tem assunto. Eles vão de religião a fervorosos temas políticos em apenas dois minutos de taxímetro contando. Já ouvi história de chantagem policial, bandido assaltando passageiro em horário de pico, disco voador em Valinhos, da vida de jogadores de futebol e artistas e até de cabeça de motoqueiro quebrando retrovisor de carro em briga, cujo protagonista era o próprio taxista.

De todas as conversas que já ouvi a que mais me chamou a atenção foi a de um ex-sindicalista engajado, que conseguiu proferir meia hora de curso intensivo de como negociar com o patrão e, obviamente, sem deixar de enaltecer o presidente Lula:

- Quando militava no sindicato, tive um curso com o Lula. Como aquele cara é bom. Nossa, que visão tem aquele homem. Olha, naquela época ele já dizia pra gente: “na hora de negociar com o patrão, peça muito mais do que você tem direito, assim, se ele te der metade, já está no lucro”.

Na falta de botões, pensei ironicamente com meus brincos. Nossa, que genial. Em tantos anos da Política, curso de Direito e de jeitinho brasileiro nunca ninguém tinha pensado nessa estratégia antes. Então, ao invés de comentar, deixei três grilos cantarem para quebrar o silêncio ensurdecedor. E o homem continuou:

- Esse cara é um absurdo. Olha o que ele conseguiu. Ele veio do nada e hoje é presidente da República. Lembro dele na época do sindicato, que homem incrível.

Sabe, eu precisava falar:

- Tão incrível... Afinal, o que ele ensinou na sua aula, aperfeiçoou na presidência.

Pelo menos, é o que deve justificar os apartamentos milionários que ele comprou na minha cidade, pensei. Não falei isso porque só a primeira frase já deixou os olhos do cidadão vermelhos. Como era ele quem estava ao volante, optei por chamar novamente os grilos e deixar a ironia de lado.

E ouvi as lições do Lula até chegar ao meu destino. Estava exausta. No dia seguinte, precisei chamar um táxi novamente. Mas, desta vez, nem olhei para frente. Colei a cara na janela e observei, em silêncio, a linda paisagem urbana ao entardecer na Avenida Juscelino Kubitscheck. Finalmente, uma corrida em paz.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Últimas notícias

Diante das últimas notícias no país, comecei a esboçar o carro do futuro. Tarefa nada fácil. Para começar, a motorização. Em tempos de consciência ambiental, o propulsor teria de ser alimentado por lixo orgânico, igual ao DeLorean do “De Volta para o Futuro”. Na terra das hidrelétricas e apagões eu não arriscaria ter um automóvel elétrico. Lixo tem bastante, aliás, não faltaria nunca neste país.

Outro cuidado importante é em relação ao ar-condicionado. Condutor e passageiros precisam ser protegidos de pandemias como a Gripe do Presuntinho, portanto, carro sem ar é a solução. Como não dá para abrir os vidros por causa dos assaltos, a saída seria ficar sufocado mesmo ou levar o seu arzinho em um tubo portátil.

Ainda contra gripes de bichos, as portas abrigariam um recipiente embutido com álcool em gel. Além de higiênica, a medida ajudaria os produtores de etanol, que perderam mercado com a chegada dos motores movidos a casca de banana e orelhas de sarneys (citados acima).

O porta-luvas não seria apenas um buraco sem fim. Teria divisão para acondicionar cabalisticamente 468 atos secretos. A portinha viria com fechadura acionada por biometria, para nenhum senador ou manobrista enxerido descobrir os segredinhos sem autorização.

Outro item indispensável nos dias de hoje é o detector de fumaça. Caso algum fumante acenda um cigarro ou um zen budista, incenso, em um carro equipado com tal dispositivo, o combustível seria cortado imediatamente e um aviso sonoro alertaria: este carro está sendo defumado, este carro está sendo defumado. E por aí vai.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dança do acasalamento

Mulher ao volante está sujeita a coisas que vão além de assaltos, xingamentos e batidas em colunas de garagens. Bizarrices como a dança do acasalamento estão no topo da lista de riscos no trânsito. Pode soar estranho o nome, mas provavelmente já tenha presenciado (ou feito) coisas cafonas como: som alto e estalos de dedos para fora da janela, som alto e olho maroto ou, na falta de rádio, braço para fora e aquele mascar chicletes insuportável.

Isso é a famigerada dança do acasalamento, mais conhecida como tentativa ridícula de chamar a atenção da mulher que está no carro ao lado. A base das técnicas é a mesma, mas as abordagens variam de acordo com a criatividade do motorista.

Outro dia, fui dar passagem a uma ambulância e precisei subir no canteiro, no meio da rua, pra ela conseguir cortar o trânsito. Quando voltei o carro para o lugar, o motorista do guincho na faixa ao lado começou a me aplaudir. Olhei para os lados na procura de algum fato digno de palmas, e nada. Era pra mim mesmo. Tratei de acelerar, esse papel de heroína não me cabe.

Quando já estava longe, comecei a refletir. O que esses caras acham que a mulher vai fazer? Jogar o celular para a janela dele, como na propaganda de xampu (ou qualquer cosmético deste nível), abrir a porta e convidá-lo para um “drink” em sua mansão no Morumbi ou se atirar em cima do carro? Não, meu amigo. Ela vai fechar o vidro, virar a cara e pensar: que idiota! E não adianta trocar funk por jazz. Ela vai te achar um otário do mesmo jeito.

Aliás, homens com esse mau hábito devem ficar atentos ao risco à saúde. Segundo a Universidade do Pelourinho, acidentes de trânsito têm o segundo maior índice de braços decepados, fica atrás apenas das minas de Moçambique.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Fashionistas

Sinônimo de ser fashion ou não, customizar virou mania na moda-carro. Iniciada pelos dados de retrovisor – retomados agora em fase retrô —, a história da personalização de veículo no Brasil mostrou importante evolução. Antes do filme “Velozes e Furiosos”, os neons já faziam sucesso nos painéis de Brasilias e Fusquinhas de brasileiros mais que modernos, na década de 1980. Lembro-me da minha infância, quando ficava impressionada com aquela luz verde que saía do volante do carro ao lado.

O neon foi parar no assoalho de alguns e quem se popularizou mesmo foi o adesivo. Como a tatuagem, antigamente quem tinha um adesivo no vidro era olhado com certo preconceito. Os tempos mudaram e, agora, é um tal de santo pra lá, crucifixo pra cá, logo de marca de roupa, mensagens para o vizinho como “a inveja alimenta meu sucesso” ou “veículo rastreado por fofoqueiros” e por aí vai. Os mais descolados forram o carro com tribais e a mulherada coloca aquelas figuras “fofinhas” para ajudar o bandido a escolher qual carro vai roubar no semáforo.

A customização não é apenas visual. Pessoas sem infância - que nunca colocaram potinho de Danone no pneu da bicicleta para fazer barulho -, hoje usam o escapamento do carro como forma de se destacar da maioria. É acelerar e se ouve aquele barulhão. Só o dono acha que o carro está praticamente turbinado com isso. É o que eu digo, deixa o cara ser feliz. Pra que o preconceito?

Também há aqueles que investem no som. Aí passam a madrugada rodando pelo bairro ao ritmo de funk, rap, lambada... Realmente, às vezes não ouço o fim do filme, mas tudo bem. O que me conforta é que um dia eles tentarão assistir a qualquer coisa na TV e não poderão ouvir nada do começo ao fim. Excesso de decibéis causa surdez, meu amigo.

Para minha Kombi já decidi. Inspirada na São Paulo Fashion Week, adotarei o “modelito” tricô de Monte Sião, mas com um diferencial: no porta-malas (se é que eu posso chamar aquilo de porta-malas) colocarei uma máquina de algodão-doce, daquelas de festa junina. Quero ver alguém com uma Kombi igual a minha!

sábado, 13 de junho de 2009

Estripulias

Quem não aprontou no trânsito ou pagou aquele mico dirigindo, que atire a primeira pedra. Outro dia, estava na rodovia dos Bandeirantes e meu irmão, no carro da frente, fez a gentileza de pagar o pedágio pra mim. Quando vi o sinal dele, fiquei tranquila e acelerei em direção à cancela, que estava aberta... Pra ele!

Foi passar direto, que a cancela rebateu no carro e começou a tocar uma sirene horrorosa na praça de pedágio. Não sabia se voltava, fugia da polícia (com tanto barulho, deveria ter até helicópteros na perseguição) ou se fechava o vidro para reduzir os danos causados pelo mico. Virei motivo de chacota da família.

Pior. Fui contar para um amigo a minha presepada e, uma semana depois, ele fez o mesmo – o tal do “sem parar” não funcionou e o bonitão, obviamente, não parou. Mico!

Mas mais engraçada foi uma conversa que ouvi outro dia na padaria. Em um sábado de manhã, a mulher saiu de casa rumo ao trabalho. Ela se distraiu segurando o café da manhã no banco e “tum”, arrancou o retrovisor de um Mercedes:

- Ai, não teve jeito, saí correndo... Não tinha ninguém no carro. O que eu ia fazer?

- Está certa, imagina quanto deve custar o retrovisor de um carro desses!

- Ah, mas estou com peso na consciência... Sem contar o mico.

- Não fica não, boba. Não deve faltar dinheiro pro cara que tem uma Mercedes.

- É, tem razão. E outra, quem mandou ele parar na rua?! Um carro desses tem de ficar em um estacionamento!

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Justiceiros no trânsito

De sacola enorme no ombro, a mulher no auge de seus 50 anos para seu carro na frente de uma casa assistencial. Ato nobre, que deve encher o peito da cidadã. O único problema é que o seu ato de solidariedade foi estragado por um pequeno equívoco. Ela parou o carro no meio de uma larga via com grandes placas de “proibido estacionar”. Obviamente, ela ligou o pisca - alerta. Mas não foi o suficiente para evitar um estrago no trânsito e ser xingada por todos os carros que passavam.

O fato não espanta ninguém, afinal, as pessoas adoram alternar comportamentos exemplares com falhas que podem acabar com qualquer ato de cidadania. Exemplo claro disso foi o cara que gritou para a mulher tirar o carro do meio da rua. Na esquina seguinte, lá estava ele atirando uma bituca de cigarro pela janela.

A jovem do carro ao lado não deixou barato. Fez cara de nojo do sujeito, deixou uma velhinha atravessar a rua e continuou a conversar no celular. A moça quase bate no carro da frente, que freou no sinal vermelho. Um colega ‘kombista’ viu a cena de longe e, na primeira oportunidade, fechou a menina. Naquele sentido do “quem sabe assim ela desliga isso e dirige direito”.

Justiceiros de trânsito, cidadãos engajados. Eles têm muito que aprender com a dona Terezinha. Ela tem uns 70 anos e ainda dirige - muito bem, inclusive. A dona Terezinha não xinga ninguém no trânsito, só buzina em casos de extrema necessidade e, todo dia, acena para o porteiro do estacionamento que fica ao lado do hospital onde trabalha, como voluntária.

Quando chega em casa, estaciona o carro sem queimar a faixa e deixa a chave no pára-brisa, caso o vizinho do outro apartamento precise manobrar o automóvel para conseguir sair. No seu lar, dona Terezinha prepara quitutes para seus netos pegarem no dia seguinte, arruma a cozinha e separa o lixo para coleta seletiva. Toda noite, ela apaga a luz na hora do telejornal. Uma manifestação silenciosa a favor da economia de energia.

Dona Terezinha não é criação publicitária para promover uma empresa sustentável não. Dona Terezinha existe. Só não repararam nela porque, quando passava pela mulher que estacionou em local proibido, não buzinou.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Poesias da cidade

Chega de estresse no caótico trânsito paulistano. A moda agora é ficar ‘zen’. Para isso, decidi encontrar locais que possam transmitir paz, mesmo para quem está preso nos aquários ambulantes, chamados de carros. Parque do Ibirapuera e Trianon, Museu do Ipiranga e Avenida Europa já estão ‘manjados’, o desafio é achar lugares diferentes.

O meu local preferido é a Casa das Rosas, na Avenida Paulista. Seu jardim de rosas (meio óbvio) vai até a Alameda Santos. Então, dos dois lados podem ser um ambiente de paz – se bem que a vista da Paulista é a melhor, dá para ver tudo. Esse lugar é um daqueles que reúne casais apaixonados, que caminham em lentos passos de mãos dadas, é onde o transeunte pode fazer uma parada de descanso e o cachorrinho abandonado encontra uma sombra.

Outro ponto de São Paulo interessante é a Banca Marshmallow, na Praça Irmão Leão Antonio (Vila Mariana). A banca não tem nada demais, vende revistais e jornais como outra qualquer, mas que nome é esse? Brilhante ideia. Toda vez que leio o letreiro da banca vem em mente coisas doces e uma enorme vontade de comer marshmallow com sorvete. Imperdível.

Agora, ao prêmio arte urbana. A prefeitura apagou a primeira versão, mas a segunda ficou melhor ainda: nada como admirar o grafite da dupla de artistas “osgemeos” (os irmãos Otavio e Gustavo Pandolfo) no acesso da Avenida 23 de Maio ao Elevado Costa e Silva (Minhocão). Cada dia, uma forma diferente de interpretar o detalhado painel de cores vivas. A obra ilumina o cinza da cidade.

Na mesma via de acesso, mas pela saída para a Rua da Consolação, há um dos ângulos mais bonitos da cidade. Neste caso, a categoria é fotografia. No exato ponto de saída do túnel para a via é possível observar a congruência das ruas, ornadas pelos antigos prédios do centro de São Paulo. O charme é reforçado pelos antigos postes de luz. Ao final da tarde, quando os raios do Sol batem de lado e passam entre as árvores, a cena se torna inesquecível.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Radares não rendem bônus

A reação do cérebro humano na presença de radares e lombadas eletrônicas rende um compêndio de psiquiatria. Tudo bem que muitos deles ficam escondidos para o primeiro que passar correndo pagar a multa, mas isso não significa que se o limite é 60 km/h e o carro está a 70 km/h, você tenha a necessidade de socar o pé no freio e chegar a 30 km/h.

O fato é que a maioria das pessoas faz isso, ainda mais quando se trata das lombadas eletrônicas (que mostram a velocidade). Aqui fica um alerta: você não ganhará desconto no IPVA, nem um bônus de bom cidadão e, muito menos, moedinhas de ouro de duendes que possam se esconder atrás dos postes.

Já aqueles que pensam em uma “margem de segurança” para não receber uma multa injusta e ter o trabalho de recorrer depois, também não precisam passar dos 70 km/h para os 30 km/h, basta ficar com velocidade em 55km/h. Está ótimo, tem a sua margem e não atrapalha a fluidez do trânsito.

Outro lado do ser humano a ser estudado é o prazer de ver os outros levarem multa. É só disparar aquele flash que o povo aponta:

- Tomou uma ‘fleshada’ playboy!

Mais interessantes só mesmo os que brincam com o velocímetro da lombada. No começo das instalações desses aparelhos em São Paulo, um conhecido meu não tinha a menor ideia de que aquilo rendia multas. Como no caminho para sua casa havia uma descida, ele pisava fundo no acelerador. Toda vez tentava superar a marca do dia anterior. Até que as multas chegaram e o “Fittipaldi” precisou vender o carro para pagar o prejuízo. Agora, ele se rendeu ao primeiro grupo e tenta manter a marca mais baixa.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Pior que banco quente

Bistrô francês, vinho chileno, papo à italiana (aos berros) e aquele torpor invade a cabeça. Logo bate a vontade de voltar pra casa e curtir o sono, antes de encarar a rotina do dia seguinte. Entretanto, tudo que eu queria naquele momento não era um digestivo ou o meu travesseiro fofinho, era apenas o banco do meu carro frio. O manobrista demorou uns 15 minutos para trazer o carro, tempo suficiente para elevar a temperatura do assento a mais de 30°C.

Não tem coisa pior do que sentar em banco quente, seja no carro, táxi, ônibus, metrô... É, não dá. A sensação é muito estranha. Como diz uma amiga hipocondríaca:

- Parece que o que deixa quente são os micróbios e que você pegará uma doença na hora.

A teoria dos micróbios é meio exagerada, mas não deixa de reforçar o argumento de que é estranho. Já vi gente esperar o assento esfriar, mesmo correndo o risco de perder o lugar no ônibus ou de ser praguejada por não entrar no carro rápido.

Como eu nunca me lembro da possibilidade de o banco estar quente, vou lá e sento. E a vergonha de levantar correndo e pagar mico. Frescura, talvez. Mas sem dúvida é uma esquisitice que afeta boa parte da população e que ninguém torna público. Ou melhor, quase ninguém.
Torpor do vinho, mais sangue italiano, não deu outra:

- Que banco quente, droga! Não tem coisa pior que banco quente!

Ou melhor, até aquele momento não tinha nada pior. A porta do carro estava aberta. A gafe fez o banco esfriar rapidinho.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Bala e prosa

- Passa o celular se não vou te encher de bala!

E lá se foi mais um aparelho embora. São Paulo e sexta-feira às 18h são duas coisas que não combinam. O trânsito fica insuportável, todos querem chegar em casa o quanto antes e até os pedestres ficam meio atordoados. Resumindo, a cidade trava. E quando isso acontece, as pessoas que passaram a semana inteira na labuta viram verdadeiros idiotas. Idiotas mesmo, é essa a sensação que fica quando se é assaltado no meio de um trânsito infernal, por um moleque que deveria ter, no máximo, 13 anos.

Os carros em volta assistem à cena, mas ninguém faz nada. A impunidade na cidade é tão grande, que já começou a fazer parte da paisagem, ninguém mais fica chocado. Só a vítima.

Armado? Provavelmente, não. E quem vai arriscar? Entrego o celular, mas com a vontade de ter dado na mão do moleque uma granada:

- Olha moço, para fazer ligações ou atender é só puxar a argola, tá? - falaria com gentileza.

Ah, mas se ele explodisse na frente dos carros, todos ficariam chocados, em um segundo um advogado apareceria com a família em peso e eu seria apedrejada no local.

Passado o devaneio, fruto da mais pura raiva, paro em uma farmácia a procura de um telefone, afinal, bloquear o número o mais rápido possível é de extrema importância: dinheiro, segurança pública e honra estão em jogo. Atenciosa e prestativa, a balconista libera o telefone:

- Pode ligar aqui. Olha, isto acontece praticamente todos os dias. Há mulheres que chegam chorando porque quebraram o vidro do carro e roubaram a bolsa.

O sangue sobe ainda mais. Como assim, acontece quase todo dia? E ninguém faz nada?! É isso mesmo, ninguém faz nada e ninguém fará nada. Quem bobeou fui eu de estar com um palmo do vidro aberto, de ter comprado um celular, de não ter um sapray de pimenta em mãos, de ter pagado os impostos e de ter votado nesses incompetentes que mandam neste país e ainda lucram com a criminalidade.

- Pelo menos, não roubaram a sua bolsa. Imagina, podiam ter atirado em você... – ouço da balconista.

Respiro fundo. Como disse, para fazer ligações ou atender é só puxar a argola.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Arca de Noé na selva de pedra

No mundo animal é assim, a tartaruga não entra na frente do leão, deixa-o passar. O elefante desvia do escorpião e permite que o pequeno venenoso siga seu caminho. Mas a formiguinha, coitada... Quem a respeita? Ninguém. Ela não demonstra a menor ameaça e, normalmente, passa como um ser invisível. Outro tipo desrespeitado é o considerado frágil, ou algum passarinho dá passagem para uma borboleta com asa quebrada? Lógico que não.

No trânsito a lógica é a mesma. O Palio deixa o Mercedes-Benz GLK ultrapassar. A Kombi dá passagem à Honda Hornet. Mas o Gol não deixa o Fusca se atrever a acelerar mais que ele. Pegar à direita na ponte, com a Marginal Pinheiros lotada, de jeito nenhum. E aquele carro levemente amassado na parte traseira? Pior ainda. É a mesma regra do passarinho e a borboleta de asa quebrada.

É a lei do mais forte. E não adianta querer lutar contra, dizendo que pagou caro no veículo. Exemplos não faltam. Sabe aquele carrinho de dois lugares recém-lançado, que custa caro, por sinal? Ele pode até chamar a atenção, mas nunca abrirá um corredor de passagem no meio do trânsito e, se tentar cortar a frente de outro carro para pegar uma alça de acesso, o motorista corre o grande risco de alguém o mandar brincar de Playmobil na garagem de casa.

O jeito é tentar impor respeito com sinal de farol ou ligar o pisca, colocar a mão para fora da janela e acenar, entre tantas outras opções “pacíficas”. A outra opção é aceitar a natureza. Como dizem os filósofos de boteco, por mais que a humanidade tente disfarçar, somos todos selvagens.

terça-feira, 24 de março de 2009

É Mooca, meu!

Algo interessantíssimo é reparar a revolução na língua portuguesa organizada por placas e outras manifestações por escrito pelas ruas. Até a década de 1980, era bem comum ver carros com a seguinte frase no vidro sujo (escrita com o dedo): “lava-me”.

O tempo passou, chegou a década de 1990, e as pessoas começaram a se confundir com a colocação pronominal, assim, o “lava-me” virou “me lava”. Erro bobo perto da Brasília que eu vi outro dia com o vidro enfeitado por um “mi lava” em letras gigantes.

Mas como exigir perfeição no português do engraçadinho que escreve em carros sujos, se as próprias placas de trânsito cometem suas gafes? Erros que, inclusive, confundem-nos na hora de escrever. Exemplo clássico é o bairro paulistano Mooca, reduto da italianada que resta na cidade. Uma placa indica Mooca, a outra Moóca. Para quem vive de memória fotográfica é confusão na certa.

- É Mooca, meu! - diz o gramático chacoalhando as mãos.

O erro de português estragou até mesmo uma romântica declaração, de um desesperado homem ansioso em recuperar (ou conquistar) sua amada. “Selma fror de maio te amo”, dizem os cartazes espalhados por avenidas e viadutos. Dias depois, o apaixonado foi avisado por algum colega sobre o erro da placa — que poderia causar o afastamento de vez da moça.

E lá foi ele. Sem apagar o “R”, escreveu um “L” bem em cima. Depois dessa, a moça até poderia perdoa-lo. No final das contas, ele aprendeu.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Lei de Talião

“PROIBIDO ESTACIONAR
SUJEITO A GUINCHO
CASA DE MÉDICOS
ENTRADA E SAÍDA DE CARROS DIA E NOITE”

Acredite, essa placa pode ser vista no portão de uma casa no bairro Cerqueira César. Não é por nada, mas ser médico garante o privilégio de não ter um idiota estacionado na frente da sua garagem? Ou é isso, ou a placa serve mais para mostrar aos vizinhos, “olha, sou médico e minha esposa também. Desculpa, mas somos pessoas extremamente ricas, inteligentes e bem sucedidas.”

Fiquei indignada. Quer dizer que se eu estiver morrendo na minha casa e meu pai precisar me levar ao hospital com urgência, não conseguirei sair da garagem porque há um carro na frente do portão? Afinal, sou jornalista. Não tenho um motivo nobre para sair e entrar em casa “dia e noite”.

Mesmo com tamanho apelo, duvido que a pessoa que tenha o hábito de estacionar no portão dos outros fique comovida com a casa dos médicos. O argumento é simples, são sempre “cinco minutinhos”. Teoricamente, os cinco minutinhos corresponderiam ao tempo que o médico leva para colocar o jaleco e fazer um xixi antes de atender a emergência. Então, por que não estacionar?

Para a minha casa já decidi. No portão da garagem colocarei a seguinte placa:

“Proibido estacionar. Casa de proprietários de desmanche. Carro depenado em 10 segundos. Em cinco minutinhos as peças já estarão em Diadema”

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Cuidado: travessia de aviões

Tem sempre alguém no trânsito que nos irrita profundamente. Pode ser aquele moleque com som alto fazendo barbeiragens e se achando o gostoso ou o tio da Brasília que não tem mais espelho retrovisor e corta a sua frente ou uma louca que freia com tudo para ver um avião sobrevoar a Avenida dos Bandeirantes. Como sou uma pessoa abençoada pela falta de paciência, lógico que foi o pesadelo da mulher amante de aeronaves que me perseguiu.

Pegar trânsito logo que acorda não é algo muito animador. Ainda mais quando você precisa tirar o visto americano e sabe que irá encarar horas em pé, em um fila sem explicação. Estava eu em um dia afortunado desses, quando um Uno resolve pegar a faixa da esquerda.

A mulher que estava ao volante deveria ser uma daquelas pessoas que acordam sorrindo e cantando com os pássaros, pois ela andava a 5 km/h e deixava todo mundo entrar a sua frente, enquanto meia dúzia de palhaços atrás demorava uns dez minutos a mais para andar do que os motoristas da faixa ao lado. Irritada, comecei a colar a Kombi no carro da mulher, para ver se andava. E nada. A fulana cantava e chacoalhava ao som de sei lá o quê. Um passeio matinal, praticamente.

Para abrilhantar ainda mais este momento, um avião da TAM cortou o céu da avenida. Extasiada com a visão, a mulher se atrapalhou toda, socou o pé no freio e esqueceu de desengatar antes de tirar o pé da embreagem. O trânsito andou e o carro morreu. Ao invés de ligar o Uno, o que a ilustre faz? Colocou a cabeça para fora da janela e observou o avião chegar ao aeroporto. Toda atrapalhada, ela ligou o carro e manteve a toada dos 5 km/h, na tentativa de ver a pontinha do avião pelo retrovisor.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Cupido ao volante

O amor tem suas breguices e loucuras, mas o conjunto até que fica bonitinho. Há quem ache cafonérrimo se agarrar em escadas rolantes ou mandar beijos pelo ar. Questão de estilo. Outro dia a luta de um casal para conseguir trocar declarações no meio do trânsito me comoveu pela tamanha dedicação.

Tudo começou na Avenida Paulista. Ele em um carro à esquerda e, ela, à direita. Vidros abaixados e troca de olhares. Em um primeiro momento achei que fosse um daqueles xavecos furados, que a menina sairia cantando os pneus.

Que nada. Já na Vergueiro os dois pararam no farol vermelho. Dessa vez, ela à direita dele. Ela abaixa o vidro e ele... Bom, ele abre a porta. Sabe como é. Vidro quebrado. Na hora desliguei o rádio para ouvir o que rolava. Só consegui ouvir a frase dele:

- Você deve me amar muito mesmo. Olha a situação do meu carro!

Ela, com seus cabelos compridos e pele aveludada sorria e respondia algo que não entendi. Só via as milhares de bitocas enviadas através de um quarto de vidro aberto. O que me fez deduzir que o vidro dela também estava quebrado. Muita coisa em comum, não?

No semáforo seguinte, pude acompanhar o desenrolar do romance com um Peugeot 206 que também ficou de coadjuvante. Mas ele interagiu mais: ficou na faixa ao lado do romanticão e olhava para o carro da mulher. Com uma técnica nova, quando a beldade parou para declarar o seu amor, o rapaz abaixou o vidro de trás – esse sim funcionava – e continuou o flerte.

Intrigado pelo diálogo, o cara do Peugeot ficou olhando. Provavelmente, vai usar a tática da próxima vez que tentar dar uma cantada em alguém no trânsito. Afinal, o som alto e o braço pra fora nem sequer desviaram os olhares da moça. Ele acelerou e foi embora.

E os dois apaixonados seguiram caminho. De longe pude ver quando ela atendeu o celular. Era ele na linha. Enxerguei o belo rosto do amado por causa da fraca luz do aparelho celular que o iluminava. Virei na rua seguinte, mas ainda deu para ouvir as buzinadinhas de despedida.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Amigos telespectadores

Eram apenas dois carros, um caminhão do Corpo de Bombeiros e uma ambulância de resgate (‘just in case’). Não havia gritos, choro e nem aquela muvuca de gente. Era um acidente aparentemente simples, daqueles que um dos carros roda e o outro vai parar no canteiro central, mas passageiros e motoristas estão intactos.

Mesmo assim, a audiência do acidente era a mesma do último capítulo da novela das oito. Todo mundo queria ver a desgraça alheia e avaliar quanto contorcidos ficaram os carros. E eu, louca para voltar para a casa e ter um momento de tranquilidade antes de dormir, tive de enfrentar aquele trânsito às 21h de uma segunda-feira.

Fazer o quê? As pessoas adoram ver a desgraça alheia! Nenhuma buzinada da minha parte surtiria efeito. Esperei, esperei, até que o trânsito fluiu. Nada de sangue, nada de saco preto na calçada, nada de pessoas chorando e carros de ponta cabeça. Os brasileiros não tiveram o mórbido prazer de ver uma desgraça e ainda por cima perderam o capítulo da nova novela. É isso que dá trocar o “Caminho das Índias” pelo caminho de casa.

A mim, que não assisto a novelas e muito menos a acidentes, coube um sorriso de triunfo e, obviamente, uma nova história. E, melhor, sem gastar buzina.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Efeito gelatina

A qualquer hora do dia e não importa em qual sentido. Atravessar a Avenida dos Bandeirantes no trecho do aeroporto de Congonhas é uma vivência única. Inexplicavelmente, as pessoas reduzem a velocidade, cometem as maiores barbeiragens e atravancam todas as vias de acesso. Detalhe, não há acidentes e nem quilômetros de congestionamento à frente.

Na volta do trabalho, em uma chuvosa sexta-feira à noite, tentei entender o que acontecia. Foi quando desenvolvi a teoria da gelatina gigante. Segundo ela, em um dia aparentemente normal, o conjunto chuva, forte calor após tempestade e um caminhão tombado da Otker formaram um imenso bloco de gelatina incolor.

Loucura de bêbado? Não (olha a Lei Seca!). A teoria é bem plausível. Quando o carro entra na gelatina, a visão do motorista fica turva e ele começa a cortar os outros carros, dá seta e não sai do lugar e pisa no freio sem nenhum motivo aparente. Por causa da resistência gerada pela viscosidade da gelatina gigante, os carros ficam mais lentos e o trânsito trava.

Para enfrentar o mal que todos estão fadados, somente muita paciência e “Bob Marley” no som do carro. Uma dica: não tente comer a gelatina... O chão é sujo e São Paulo tem muita poluição.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Olho seca-pimenteira

Dia desses uma amiga me ligou a gargalhadas:

- Você não sabe o que eu vi hoje! Um cara no carro ao lado do meu estava usando um ramo enorme de arruda na orelha.

Vi graça no comentário dela. Como não é todo dia que a gente se depara com pessoas tão supersticiosas, resolvi caçar mandingueiros e talismãs no trânsito. E não é que me surpreendi com a quantidade de objetos pendurados nos carros.

O mais tradicional é a fitinha vermelha no retrovisor. Dizem os sabidos que é para tirar mau-olhado. É o mesmo efeito protetor do chaveiro de pé de coelho, porém menos raro. Toda vez que largo a Kombi no estacionamento, olho para o quadro de chaves dos manobristas para ver se encontro um. É muito difícil dar tanta “sorte”, mas para os perseverantes vira um passa-tempo tosco.

Outra simpatia básica é a fitinha do Nosso Senhor do Bonfim. Olha, deve ter até chinês fabricando isso, porque o que vende... E a maioria das pessoas não se contenta com uma só. Vai lá e amarra umas 20 no retrovisor do carro. Na minha época, era para usar uma, no pulso, com três nós, que representavam três desejos. Novos tempos.

Há quem cola ou pendura bruxas para tudo quanto é lado – isso quem faz é mulher. A mensagem subliminar da proprietária do veículo é a seguinte: “nem vem com olho gordo, porque eu sou bruxa e você é que vai se ferrar.”

Sem dúvida, uma fezinha é irresistível. Uma vez comprei um monte de pimentinhas de vidro e fiz um chaveiro. No primeiro mês, meu irmão pegou meu carro emprestado e achou aquilo uma verdadeira “brasileirice”. Tirou o meu precioso chaveiro e encostou em algum lugar da casa. Eu acabei esquecendo da existência do amuleto, mas meu carro não! Já foi ralado umas vinte vezes na coluna da garagem.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Passos de quem passa

Traçar o mesmo roteiro para chegar ao trabalho faz criarmos amigos desconhecido. Isso mesmo, amigos desconhecidos. É assim como eu classifico as pessoas que vejo todos os dias – e no mesmo horário - transitando ou trabalhando pela calçada. Nunca parei o carro e me fingi de pedestre para conversar com eles, mas já lhes dei nomes. Afinal, tornamo-nos colegas de rotina e de cidade. Testemunhas ocultas de coisas importantes, como uma batida policial, um semáforo quebrado ou o tombo de alguém distraído.

Na região da Paulista existem alguns personagens que merecem minha atenção. Uma delas é a uma senhora japonesa, bem pequenininha e gordinha, com lenço amarrado na cabeça, que passa suas primeiras horas da manhã passeando com seu poodle. Eles batem altos papos. Uma amizade muito bonita. Batizei-a de dona "Olga". Ela tem cara de Olga. Já o poodle se chama “Minuinho”, porque ele tem cara de qualquer coisa no diminutivo.

Outra figura carimbada do Cerqueira César é o vendedor de flores da Alameda Santos. É o seu "José". Ele vende rosas amarelas, vermelhas, cor-de-rosa e brancas. Ele acomoda suas flores sobre uma caixa de madeira (ou algo parecido) e as arruma em montes, cada cor tem o seu. Elas estão sempre bonitas e borrifadas com água. Não tem nada mais charmoso do que comprar flores na banca improvisada do seu José. Vida difícil, mas o sorriso sempre no rosto.

O seu José é vizinho de banca do seu "João", que vende frutas. Toda manhã tem abacaxi cortado, para os clientes que querem comer os nacos na hora. Aquele cheiro de fruta fresca, que passa pela fresta da janela do carro é uma tentação. O seu João foi pioneiro no comércio do quarteirão. Já conhece todo mundo, adora uma prosa e sempre acena para os transeuntes apressados.

Ah, e não posso me esquecer da "Valdete". A Valdete é uma mulher alta, de cabelos longos e tingidos de loiro, unhas pintadas de vermelho e plataforma no pé. A Valdete tem a pele bem judiada pelo sol - deve ter uns 50 anos –, mesmo assim, faz pose de quem para o trânsito. Apesar de perua, Valdete tem a sua verdade e, com ela, conquista os olhares de quem passa…