quarta-feira, 29 de abril de 2009

Pior que banco quente

Bistrô francês, vinho chileno, papo à italiana (aos berros) e aquele torpor invade a cabeça. Logo bate a vontade de voltar pra casa e curtir o sono, antes de encarar a rotina do dia seguinte. Entretanto, tudo que eu queria naquele momento não era um digestivo ou o meu travesseiro fofinho, era apenas o banco do meu carro frio. O manobrista demorou uns 15 minutos para trazer o carro, tempo suficiente para elevar a temperatura do assento a mais de 30°C.

Não tem coisa pior do que sentar em banco quente, seja no carro, táxi, ônibus, metrô... É, não dá. A sensação é muito estranha. Como diz uma amiga hipocondríaca:

- Parece que o que deixa quente são os micróbios e que você pegará uma doença na hora.

A teoria dos micróbios é meio exagerada, mas não deixa de reforçar o argumento de que é estranho. Já vi gente esperar o assento esfriar, mesmo correndo o risco de perder o lugar no ônibus ou de ser praguejada por não entrar no carro rápido.

Como eu nunca me lembro da possibilidade de o banco estar quente, vou lá e sento. E a vergonha de levantar correndo e pagar mico. Frescura, talvez. Mas sem dúvida é uma esquisitice que afeta boa parte da população e que ninguém torna público. Ou melhor, quase ninguém.
Torpor do vinho, mais sangue italiano, não deu outra:

- Que banco quente, droga! Não tem coisa pior que banco quente!

Ou melhor, até aquele momento não tinha nada pior. A porta do carro estava aberta. A gafe fez o banco esfriar rapidinho.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Bala e prosa

- Passa o celular se não vou te encher de bala!

E lá se foi mais um aparelho embora. São Paulo e sexta-feira às 18h são duas coisas que não combinam. O trânsito fica insuportável, todos querem chegar em casa o quanto antes e até os pedestres ficam meio atordoados. Resumindo, a cidade trava. E quando isso acontece, as pessoas que passaram a semana inteira na labuta viram verdadeiros idiotas. Idiotas mesmo, é essa a sensação que fica quando se é assaltado no meio de um trânsito infernal, por um moleque que deveria ter, no máximo, 13 anos.

Os carros em volta assistem à cena, mas ninguém faz nada. A impunidade na cidade é tão grande, que já começou a fazer parte da paisagem, ninguém mais fica chocado. Só a vítima.

Armado? Provavelmente, não. E quem vai arriscar? Entrego o celular, mas com a vontade de ter dado na mão do moleque uma granada:

- Olha moço, para fazer ligações ou atender é só puxar a argola, tá? - falaria com gentileza.

Ah, mas se ele explodisse na frente dos carros, todos ficariam chocados, em um segundo um advogado apareceria com a família em peso e eu seria apedrejada no local.

Passado o devaneio, fruto da mais pura raiva, paro em uma farmácia a procura de um telefone, afinal, bloquear o número o mais rápido possível é de extrema importância: dinheiro, segurança pública e honra estão em jogo. Atenciosa e prestativa, a balconista libera o telefone:

- Pode ligar aqui. Olha, isto acontece praticamente todos os dias. Há mulheres que chegam chorando porque quebraram o vidro do carro e roubaram a bolsa.

O sangue sobe ainda mais. Como assim, acontece quase todo dia? E ninguém faz nada?! É isso mesmo, ninguém faz nada e ninguém fará nada. Quem bobeou fui eu de estar com um palmo do vidro aberto, de ter comprado um celular, de não ter um sapray de pimenta em mãos, de ter pagado os impostos e de ter votado nesses incompetentes que mandam neste país e ainda lucram com a criminalidade.

- Pelo menos, não roubaram a sua bolsa. Imagina, podiam ter atirado em você... – ouço da balconista.

Respiro fundo. Como disse, para fazer ligações ou atender é só puxar a argola.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Arca de Noé na selva de pedra

No mundo animal é assim, a tartaruga não entra na frente do leão, deixa-o passar. O elefante desvia do escorpião e permite que o pequeno venenoso siga seu caminho. Mas a formiguinha, coitada... Quem a respeita? Ninguém. Ela não demonstra a menor ameaça e, normalmente, passa como um ser invisível. Outro tipo desrespeitado é o considerado frágil, ou algum passarinho dá passagem para uma borboleta com asa quebrada? Lógico que não.

No trânsito a lógica é a mesma. O Palio deixa o Mercedes-Benz GLK ultrapassar. A Kombi dá passagem à Honda Hornet. Mas o Gol não deixa o Fusca se atrever a acelerar mais que ele. Pegar à direita na ponte, com a Marginal Pinheiros lotada, de jeito nenhum. E aquele carro levemente amassado na parte traseira? Pior ainda. É a mesma regra do passarinho e a borboleta de asa quebrada.

É a lei do mais forte. E não adianta querer lutar contra, dizendo que pagou caro no veículo. Exemplos não faltam. Sabe aquele carrinho de dois lugares recém-lançado, que custa caro, por sinal? Ele pode até chamar a atenção, mas nunca abrirá um corredor de passagem no meio do trânsito e, se tentar cortar a frente de outro carro para pegar uma alça de acesso, o motorista corre o grande risco de alguém o mandar brincar de Playmobil na garagem de casa.

O jeito é tentar impor respeito com sinal de farol ou ligar o pisca, colocar a mão para fora da janela e acenar, entre tantas outras opções “pacíficas”. A outra opção é aceitar a natureza. Como dizem os filósofos de boteco, por mais que a humanidade tente disfarçar, somos todos selvagens.